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O CORONA VÍRUS E UM OLHAR PSICANALÍTICO

O CORONA VÍRUS E UM OLHAR PSICANALÍTICO

Trecho de texto de Christian Dunker, psicanalista e professor titular da Universidade de São Paulo, autor de “Mal-estar, sofrimento e sintoma — Uma psicopatologia do Brasil entre muros” (Boitempo Editorial) e “Reinvenção da intimidade — Políticas do sofrimento cotidiano” (Ubu Editora) publicado hoje no O Globo.

Acalmar-se é algo que ninguém pode fazer por você. Se você espera que apenas mais notícias, informações e comentários venham pacificá-lo, ou se você acha que aumentar o estoque de máscaras vai sanear sua angústia, você está se enganando. O verbo é acalmar-se, e não ser acalmado pelos outros e pelos objetos. O medo se combate com precaução e medidas objetivas, a angústia com cuidado e trabalho subjetivo. Neste sentido a pandemia tem muito a nos ensinar, especialmente quanto a nossas ilusões de controle e dominação sobre o mundo e nosso destino. A crença digital de que somos muitos importantes e tantas outras promessas nos fazem acreditar que somos soberanos sobre nossas vidas.

Daí aparece um pequeno micro-organismo, bastante limitado do ponto de vista de sua capacidade reprodutiva e de sua estrutura biológica de RNA e nos derruba. Ou seja, do ponto de vista de nossa angústia, o coronavírus não poderia ter um nome melhor: ele nos tira do trono de nós mesmos e coloca a coroa de nossas vidas em sua justa dimensão. É a coroa de espinhos que convoca uma experiência escassa em nossa época: a humildade.

Diante desta pequena e destrutiva força da natureza, nosso narcisismo se dobra como um vassalo encurralado. Apesar de dolorosa como um espinho na alma, esta pode ser uma experiência profundamente transformadora. Descobrir que podemos muito menos do que pensamos, aceitar o imponderável que nos governa e acolher com humildade o que ainda não dominamos pode ser muito benéfico. Pode ser uma verdadeira terapia para aqueles que precisam descansar a cabeça do peso de sua coroa de espinhos narcísicos.